UM CONCEITO ÁCIDO-BASE GENERALIZADO
Uma justificativa para a discussão de um grande número de definições de ácido-base, incluindo algumas que são pouco usadas hoje, é ilustrar suas similaridades fundamentais. Todas definem ácido em termos de doador de espécies positivas (um íon hidrogênio ou o cátion do solvente) ou aceitador de espécies negativas (um íon óxido, um par de elétrons, etc). Uma base é definida como doadora de espécies negativas (um par de elétrons, um íon óxido, um ânion do solvente) ou aceitadora de espécies positivas (íon hidrogênio). Podemos generalizar todas estas definições definindo:
analogamente,
As vantagens destas generalizações são de duas ordens:
Alguns exemplos podem ser úteis para ilustrar esta abordagem. Deve-se ter em mente que os conceitos de ácido-base não explicam as propriedades observadas; elas repousam em princípios de estrutura e ligação. Os conceitos de ácido-base ajudam a correlacionar observações empíricas.
1. Basicidade de óxidos metálicos.
Num grupo da tabela periódica, a basicidade dos óxidos tende a aumentar de cima para baixo. Por exemplo, no Grupo 2, BeO é anfótero mas óxidos mais pesados (MgO, CaO, SrO, BaO) são básicos. Neste caso, a carga do íon metálico é a mesma em todas as espécies, mas o íon Be2+ está comprimido num volume muito menor, e seu efeito é mais pronunciado. Como resultado, BeO é mais ácido ou menos básico que os óxidos dos metais maiores. Neste caso, a "positividade" é uma questão de carga e tamanho do cátion. Isto está intimamente relacionado, de certo, com a habilidade de polarização de Fajans. O mesmo efeito é verificado nos óxidos do Grupo 13: B2O3 é ácido, Al2O3 é anfótero e do Grupo 3, onde o Sc2O3 é muito básico.
2. Reações de hidratação e hidrólise.
A razão de uma elevada carga por tamanho de um cátion, resulta num aumento da energia de hidratação, intimamente relacionado com a hidratação, e de fato, inseparável dela, exceto no grau, está o fenômeno da hidrólise. Em geral, falamos de hidratação se não ocorre reação além da coordenação de moléculas de água com o cátion:
Na+ |
+ |
n H2O |
[Na(H2O)n]+ |
(42) |
Neste caso de reações de hidrólise, a acidez (razão carga/tamanho) do cátion é tão grande que causa a ruptura das ligações H-O com a ionização do hidrato para produzir íons hidrônio:
A l3+ |
+ |
6H2O |
[A l(H2O)6]3+ |
H3O+ |
+ |
[A l(H2O)5OH]2+ |
(43) |
Cátions que hidrolizam são os menores (por ex., Be2+), ou os mais carregados (por ex., Fe3+, Sn4+), ou ambos, e têm alta densidade carga/tamanho. Valores de pKh (log negativo da constante de hidrólise) são comparados com a razão (carga)2/(tamanho) na Tabela 3. A correlação é boa para elementos do grupo principal e La3+, mas não tão boa para elementos de transição, especialmente para os mais pesados. A razão para o comportamento aparentemente anômalo de íons metálicos, como Hg2+, Sn2+ e Pb2+, não está completamente clara, mas pode estar relacionada com as suas "molezas".
O conceito de hidrólise pode ser estendido ao fenômeno bastante próximo da reação de haletos não metálicos com água:
PC l3 |
+ |
6 H2O |
H3PO3 |
+ |
3 H3O+ |
+ |
3 C l- |
(44) |
Neste caso, a água ataca e hidrolisa não um cátion, mas um centro altamente carregado e pequeno, (o átomo de fósforo trivalente) devido ao efeito indutivo dos átomos de cloro.
Tabela 3 - Constantes de hidrólise, pKh(a), e funções carga/raio.
Z2/r * |
Elementos dos grupos principais e lantanídeos |
Metais de transição mais leves e de pós-transição |
Metais de transição mais pesados e de pós-transição |
|
C2m-1x1028 |
e 2A-1 |
|||
2,0 |
0,78 |
|
|
Ag+ = 6,9 |
2,2 |
0,86 |
Na+ = 14,48 |
|
|
2.8 |
1,11 |
Li+= 13,82 |
|
|
6,9 |
2,68 |
Ba2+ = 13,82 |
|
|
7.8 |
3.03 |
Sr2+ = 13,18 |
|
|
8.9 |
3.45 |
|
|
Hg2+ = 3,70 |
9.0 |
3.51 |
Ca2+ = 12,70 |
|
|
9.4 |
3.67 |
|
Cd2+ = 11,70 |
|
10.3 |
4.0 |
|
|
Pb2+ = 7,78 |
10.6 |
4.12 |
|
Mn2+ = 10,70 |
|
11.2 |
4.35 |
|
Fe2+ = 10,1 |
|
11.6 |
4.52 |
|
Co2+ = 9,6 |
|
11.7 |
4.55 |
|
Zn2+ = 9,60 |
|
11.8 |
4.60 |
|
Cu2+ = 7,53 |
|
11.9 |
4.65 |
Mg2+ = 11,42 |
|
|
12.4 |
4.82 |
|
Ni2+ = 9,40 |
|
17.4 |
6.78 |
Be2+ = 6,50 |
|
|
19.7 |
7.68 |
La3+ = 10,70: |
|
|
19.7 |
7.69 |
|
|
Bi3+ = 1,58 |
19.8 |
7.73 |
Lantanídeos: |
|
U3+ = 1,50 |
20.3 |
7.89 |
|
|
Pu3+ = 6,95 |
22.5 |
8.78 |
|
|
TI3+ = 1,15 |
23.1 |
8.99 |
Lu3+ = 6,6 |
|
|
24.6 |
9.57 |
|
|
In3+ = 3,70 |
26.1 |
10.2 |
|
Sc3+ = 4,6 |
|
29.4 |
14.5 |
|
Fe3+ = 2,19 |
|
29.6 |
11.5 |
|
V3+ = 2,92 |
|
30.4 |
11.8 |
|
Ga3+ = 3,40 |
|
30.6 |
11.9 |
|
Cr3+ = 4,01 |
|
34.2 |
13.3 |
Al3+ = 5,14 |
|
|
41.1 |
16.0 |
|
|
Pu4+ = 1,6 |
47.7 |
18.6 |
|
|
Zr4+ = 0,22 |
48.3 |
18.8 |
|
|
Hf4+ = 0,12 |
¾¾¾
Ordem crescente de tendência à hidrólise devido à estrutura eletrônica ¾¾®*↓
Ordem crescente da tendência de hidrólise - Causa: função carga / raio
3. Basicidade de aminas substituídas.
Em água, a amônia é uma base fraca, mas trifluoreto de nitrogênio não mostra basicidade. Na molécula de NH3, o átomo de nitrogênio tem carga parcial negativa devido a efeitos indutivos dos átomos de hidrogênio, mas na molécula de NF3 ocorre o inverso. A substituição de um átomo de hidrogênio na molécula de amônia por um grupo que retira elétrons como -OH ou -NH2 também resulta em decréscimo de basicidade. Como todos os grupos alquilas são normalmente elétrons-doadores (mais que o hidrogênio) com relação a elementos eletronegativos, podemos esperar que a substituição de um átomo de hidrogênio por um grupo metila aumente a basicidade do átomo de nitrogênio. Este efeito está mostrado na Tabela 4.
Tabela 4 - Basicidade da amônia (pKb = 4,74) e aminas:
Substituição elétron-retirante menos básico ¬¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾ |
|
Substituição elétron-doadora mais básico ¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾® |
||||
NH2OH = 7,97 |
NH2NH2 = 5,77 |
MeNH2 = 3,36 |
Me2NH = 3,29 |
Me3N = 4,28 |
||
|
|
EtNH2 = 3,25 |
Et2NH = 2,90 |
Et3N = 3,25 |
||
|
|
i -PrNH2 = 3,28 |
i -Pr2NH = 2,95 |
|
||
|
|
i -BuNH2 = 3,51 |
i -Bu2NH = 3,32 |
i -Bu3N = 3,58 |
Como esperado, a substituição de grupos alquila no lugar de um hidrogênio, na molécula de amônia, resulta em um aumento da densidade eletrônica no átomo de nitrogênio e um aumento da basicidade. A substituição de um segundo grupo alquila também aumenta a basicidade, embora menos do que o esperado para o efeito substitucional anterior. As trialquilaminas não mantêm esta tendência e surpreendentemente são tão fracas ou ainda mais fracas que as monoalquilaminas. Embora a explicação desta aparente anomalia seja bastante simples, ela não depende da densidade eletrônica.
4. Acidez de oxiácidos.
A força de um oxiácido depende de vários fatores que se relacionam com o efeito indutivo do átomo central do grupo hidroxila:
Para os oxiácidos inorgânicos, o número de átomos de oxigênio que circunda o átomo central é mais importante. Assim, na série dos oxiácidos de cloro, a força do ácido aumenta na sequência HOC
l < HOClO < HOClO2 < HOClO3.Os valores de pKa dos oxiácidos de fórmula X(OH)mOn podem ser obtidos por:
pKa = 10,5 - 5,0 n - c x |
(45) |
onde
c x é a eletronegatividade do átomo central. Tanto o efeito (a) como o efeito (b) estão incluídos na Equação 45.A tendência à acidez dos oxiácidos de fórmula HaXOb podem ser correlacionadas em um conjunto de regras:
Se a = b, pK1
» 7, ácido muito fraco, por ex., HClO, pK1 = 7,48; H3BO3, pK1 = 9,24.Se a = b - 1, pK = 2, ácido fraco, por ex., HClO2, pK1 = 2,02; H2SO3, pK1 = 1,997; H3PO4, pK1 = 2,12.
Se a = b - 2, pK = -3, ácido forte, por ex., H2SO4, pK1 = -3, pK2 = 1,9; HNO3, pK1 = -3, pK2 = 1,4.
Se a = b -3, pK1 = -8, ácido muito forte, por ex., HClO4.
5. "Ácidos e bases fundamentais"
A familiaridade com a idéia de que a acidez e a basicidade estão relacionadas com a densidade eletrônica dos sítios reagentes e com a razão carga / tamanho, deve levar-nos a perguntar se existe uma espécie ácida ou básica mais forte que todas as demais. Uma pequena reflexão sugeriria que o próton tem a maior razão carga/tamanho. De certo, o próton nunca ocorre não coordenado ou não solvatado em sistemas químicos. Ele é um ácido muito forte para coexistir com qualquer base sem reagir. Mesmo um átomo de gás nobre, normalmente não considerado uma base, combinará com os prótons ácidos em excesso. A escolha do próton como a espécie de troca "característica" do conceito de Brönsted-Lowry não é fortuita.
Com relação à base fundamental, poderia se escolher vários íons pequenos, altamente carregados como H-, F- ou O2-, que são básicos. Entretanto, o elétron parece ser o complemento do próton. No entanto, o elétron isolado tem ainda menos justificativa como entidade química que o próton, mas são conhecidas soluções nas quais elétrons (solvatados, é lógico), são as espécies aniônicas! E, ainda mais interessante, estas soluções são muito básicas.